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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

13: O Blur além do Britpop

Blur - 13 (1999)






A palavra "blur" significa borrão, mancha, sombrear; mas somente com o lançamento do seu sexto álbum de estúdio, denominado 13, a banda inglesa que adotara este nome e praticamente inventara o gênero Britpop nos anos noventa iria encontrar um som que poderia ser definido por tal termo.
O característico Britpop fora deixado para trás quando o Blur apresentou ao mundo seu álbum homônimo, em 1997. Agora eles eram uma banda que seguia o caminho do experimentalismo e buscava por uma reinvenção, movendo-se para um território musical mais denso e cerebral. Muito desta mudança sonora vem da influência do produtor William Orbit, conhecido por sua impagável world music.
O fim do relacionamento entre o vocalista Damon Albarn e a vocalista do Elastica Justine Frischmann também serviu por determinar a temática abordada em 13: este é um álbum sobre decepções amorosas, relações sociais e estilos de vida, o que pode ser notado em linhas como "eu preciso parar de fumar", em Caramel, ou "seus ouvidos estão cheios, mas você está vazio", em Coffee & TV, cujo videoclipe, que narra a saga de uma caixinha de leite procurando pelo guitarrista desaparecido Graham Coxon, consolidou o Blur como banda cult nos EUA.
13 abre com uma balada country transparentemente emocional embalada por um coral gospel. Tender reflete o estado de espírito de Albarn neste período: abalado afetivamente mas ainda assim disposto à superação.
A parede impenetrável de som de baixa qualidade do hit Song 2, uma das canções mais conhecidas da banda nesta época, reaparece na enérgica e psicodélica Bugman.
1992 foi composta quando a banda ainda era praticamente desconhecida fora da Inglaterra. O vocalista Damon Albarn havia perdido a fita demo e reencontrou-a durante as sessões de gravação de 13.
Battle, uma canção mutante e adocicada, e Caramel, uma paisagem sonora ornada por uma belíssima melodia em órgão, são duas inacreditáveis excursões do Blur ao experimentalismo cósmico de bandas de Krautrock dos anos 70. Trailerpark, por sua vez, é construída sobre um riff de teclado que remete ao blues.
Trimm Trabb é uma canção sobre consumismo que evolui de uma melodia simplista à vocais processados e à uma sonoridade fragmentada de forma súbita.
No Distance Left to Run é uma despedida: Albarn se despede de uma relação e o Blur se despede da sua reputação de banda adolescente de maturidade precoce conhecida por hinos do rock.
.Coesão e consistência são palavras-chave para a definição de 13, um álbum que representa um passo gigantesco além de qualquer expectativa acerca do Blur. Neste álbum a banda inglesa atesta seu rompimento com o pop usual, adentrando um domínio onde as guitarras são distorcidas a ponto de não soarem como guitarras.



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sábado, 27 de agosto de 2011

The ArchAndroid: Uma odisséia futurista


Janelle Monáe - The ArchAndroid (Suites II & III) (2010)



Janelle Monáe é, para o Séc. XXI, o que David Bowie foi para o século anterior: uma visionária utilizadora de suas experiências no teatro traçando um panorama da decadência humana que tem como protagonista uma personagem digna de filmes de ficção científica.
O EP de estréia de Janelle, Metropolis (Suite I: The Chase) (2007), inspirado pelo filme de mesmo nome dirigido por Fritz Lang nos anos 20, atraiu a atenção da mídia, que  fez comparações entre o trabalho da americana não apenas com o estilo de Bowie, mas também de artistas como Outkast e Michael Jackson. Apesar dos elogios, Metropolis não obteve o desempenho comercial esperado (e merecido).
The ArchAndroind (Suites I & II) dá continuidade à esta ópera futurista que narra a história da androide messiânica Cindy Mayweather, que fora enviada ao passado para salvar os habitantes de Metropolis da Great Divide, uma sociedade secreta que suprime a paz e o amor. O álbum é, sobretudo, um manifesto de liberdade, apresentando similaridades com o filme de Lang não só em termos de enredo, mas também visualmente: a capa fora inspirada pelo pôster de Metropolis.
As duas metades de The ArchAndroid são definidas por aberturas cinematográficas.
A primeira parte, uma suíte apocalíptica na qual Cindy se mostra apaixonada pelo humano Sr. Greendown, é um casamento entre o pop retrô, a música gospel e o R&B, sendo que Locked Inside possui similaridades  rítmicas com Rock With You, do Michael Jackson. 
Em Oh, Maker, Janelle flerta com a música country, que por alguns segundos nos faz esquecer do quão essencialmente futurista é The ArchAndroid
 Come Alive (The War Of Roses) é um faixa de rock cru e agressivo. Mais uma vez, a cantora americana expõe sua versatilidade ambiciosa e infalível.
A psicodelia de Mushrooms & Roses e Sir. Greendwon , canções robóticas e cheias de nostalgia , foi influenciada, provavelmente, pelo som e pelo lirismo revolucionário dos Beatles, no final dos anos 60.
Nesta primeira parte, Janelle transita entre ritmos dançantes e reflexões de conteúdo escatológico. Ela tem se referido a The ArchAndroid como um "retrato emocional", mas se toda a emoção do álbum fosse reduzida a uma só faixa, esta seria Cold War, uma belíssima canção acerca de uma pergunta que diz respeito a todos os seres humanos: o que é a liberdade, afinal?
No videoclipe intimista, que segue a estética nua e simplista de Nothing Compares 2 U, de Sinéad O'Connor, as sensações de euforia e tristeza surgem quase que concomitantemente. Um registro visual indelével para uma das faixas mais aclamadas de 2010.
Tightrope é uma canção agitada sobre ser julgado e deixar-se sentir abatido por tais julgamentos. 
Na segunda parte de The ArchAndroid, Monáe surge com uma sonoridade assustadoramente alienígena, sem nunca soar exagerada. 
Wondaland contém elementos da música disco dos anos 80 enquanto 57821 apresenta vocais tão harmonizados quanto os da dupla sessentista Simon & Garfunkel.
Quando a música clássica expressionista de Debussy surge ao final de Say You'll Go, não resta dúvidas: Janelle Monáe é incrivelmente habilidosa em fundir estilos. 
 A última faixa de The Archandroid, BaBopByeYa termina com uma frase de redenção: "A liberdade me chama, e eu tenho que ir". Desfecho magnifico para um álbum grandioso como este, que seria, mais tarde, indicado a um Grammy na categoria Melhor Álbum de R&B do ano.
A fusão descarada de ritmos divergentes por Janelle seria um convite ao fracasso, não fosse sua capacidade de tornar este o atrativo mais inusitado de sua música. 
Ela está aqui para ficar.



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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Viva la Vida or Death and All His Friends: Uma nova direção para o Coldplay

Coldplay - Viva la Vida or Death and All His Friends (2008)



Em 2005, o Coldplay lançou X&Y, álbum que recebeu críticas diversificadas e gerou o comentário de que a banda estaria refletindo os efeitos da superexposição na qualidade das suas composições. X&Y foi definido pela Pitchfork como "agradável , mas não memorável", afirmação válida quando se tem em mãos um trabalho que soa como uma regressão em relação aos predecessores.
Três anos depois, a banda voltaria a ser aclamada pelo lançamento de Viva la Vida or Death and All His Friends, um álbum que se tornou o marco de uma profunda mudança sonora e estética no trabalho do quarteto inglês liderado por Chris Martin.
A influência da música e da cultura geral dos países hispânicos, o envolvimento dos consagrados Markus Dravs, que trabalhara com artistas como Björk e Arcade Fire anteriormente, e Brian Eno, conhecido pela habilidade magistral para compôr música ambiente, deram resultado ao álbum que levaria o Coldplay a uma direção diferente daquela que o grupo estava seguindo desde Parachutes (2000).
Viva la Vida or Death and All His Friends é um álbum épico sobre amor, paz, guerra e liberdade, o que refletiu na escolha do quadro "Liberdade Guiando o Povo", do pintor francês Eugène Delacroix, como ilustração da capa. O quadro "Viva la Vida", da mexicana Frida Kahlo, serviu como inspiração para o nome do quarto álbum de estúdio do Coldplay.
A música ambiental de Brian Eno aparece logo na introdução. Life in Technicolor é uma ensolarada faixa instrumental que consiste basicamente em uma melodia tocada em Yangqin, um instrumento originalmente do  Oriente Médio que se tornou essencial na música tradicional chinesa.
Uma Londres medieval, sombria e seguidora de uma religião fundamentada em mitos é descrita em Cemeteries of London, canção fortemente influenciada pela música folclórica espanhola.
Lost é uma balada motivante tocada em órgão de igreja e ornada de forma exótica por ritmos tribais e palmas. A letra foi definida pela BBC como sendo uma mistura de insegurança e determinação, o que é frequente nas composições de Chris Martin.
Fugindo da característica estrutura das canções do Coldplay, 42 é uma faixa sem refrão dividida em três seções diferentes que evolui de uma sonoridade simplista à puro êxtase.
Em Lovers in Japan, o Coldplay flerta com a característica música de estádio do U2, obviamente por influência do produtor Brian Eno. A musicalidade ambiental típica de Brian aparece também em Reign of Love.
Se Yes é uma visita à sonoridade oblíqua do Velvet Underground em Venus in Furs, as guitarras reverberantes e os vocais minimalistas de Chinese Sleep Chant soam como um cortejo ao experimentalismo de bandas como Sonic Youth e My Blood Valentine no início dos anos 90.
Viva la Vida é uma faixa geralmente interpretada de formas divergentes, repleta de referências bíblicas e históricas. Aqui, Chris Martin aparentemente assume a figura de um monarca paranoico deposto do trono. 
O videoclipe de Viva la Vida se tornou o mais visto da história do Youtube, com mais de 50 milhões de reproduções no mundo todo. Uma segunda versão também foi lançada junto com esta primeira, na qual o "rei"  Chris Martin aparece carregando o quadro "A Liberdade Guiando o Povo" através da Inglaterra como em uma peregrinação, usando a ideia do videoclipe de Enjoy The Silence do Depeche Mode.
Violet Hill é considerada como sendo a primeira canção com uma temática anti-guerra do Coldplay. O ritmo quase militar da faixa reforça esta ideia. O nome Violet Hill foi tomado de uma rua londrina próxima à Abbey Road, conhecida por ser um lugar de culto ao Beatles.
Strawberry Swing é uma canção iluminada com ritmos psicodélicos e ornada por uma pungente sinfonia. O videoclipe gravado em stop motion confere a estética artística adotada pela banda em Viva la Vida or Death and All His Friends.
A faixa de encerramento soa como um extasiante hino de renúncia à guerra. Death and All His Friends tem forte potencial para balançar (e emocionar) estádios assim como City of Blinding Lights, do U2.
O quarto álbum do Coldplay se tornou o mais vendido no ano de seu lançamento e foi o ganhador de um Grammy Award na categoria Melhor Álbum de Rock de 2008, o que soa como superficial quando o que temos aqui é uma banda mudando bruscamente de uma sonoridade já característica para algo totalmente diferenciado em termos de abordagem, ritmo e timbres vocais.
Alguns meses depois o álbum foi relançado junto com o EP Prospekt's March, que trazia uma versão estendida e com vocais de Life In Technicolor. A canção foi lançada como single.
Viva la Vida or Death and All His Friends é, como o título sugere, uma exaltação à vida, exalando otimismo por todos os poros. Um álbum fortemente impressivo e definitivo para a história do Coldplay.





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domingo, 21 de agosto de 2011

XX: Simplesmente sensações

The XX - XX (2009)



O aclamado álbum de estréia dos XX perdura como um enigma sem solução: ao mesmo tempo em que os quatro jovens membros da banda nos mantém imersos em uma atmosfera cinzenta por quase quarenta minutos, somos introduzidos à uma música livre de claustrofobia, com sonoridade dispersa e minimalista, mas nunca depressiva. 
A simplicidade pop e a intimidade discreta de cada uma das faixas de XX fez com que a banda fosse classificada instantaneamente como uma das revelações recentes mais importantes da história da música do Reino Unido, fato semelhante ao ocorrido com o Oasis em meados dos anos 90. Mas ao invés da proposta de revitalização da idolatria à música britânica, The XX tem como intuito apenas despertar sensações, .sem jamais assumir a posição de deuses da revolução musical. É como se os quatro membros da banda estivessem envolvidos por uma mesma aura e compartilhando confidências.
A faixa de introdução do álbum homônimo do The XX se tornou trilha sonora de várias séries televisivas, sendo também utilizada com frequência pela NBC durante a cobertura das Olimpíadas de Inverno de 2010.
VCR soa como uma canção de ninar construída sobre uma melodia repetitiva tocada em xilofone. Lançada como quarto single de XX, traz como b-side a excelente Insects, faixa com forte influência do post-punk dos anos 80.
Crystalised tornou-se a canção mais divulgada e, consequentemente, conhecida da banda ao ser lançada como primeiro single do álbum. As guitarras lânguidas e o sintetizador usado em dosagem correta tornam Crystalised uma canção estática e sinuosa ao mesmo tempo. É notável a regravação feita pelos membros do Gorillaz, na qual a belíssima canção torna-se ainda mais constante na voz de Damon Albarn, o eterno Blur.
Em outubro de 2010, a cantora colombiana Shakira lançaria Sale El Sol, um álbum de música pop bem sucedido comercialmente que trazia uma versão inusitada de Islands, uma das melhores faixas dos XX. A canção subiu da posição 39 para a 34 no Top 40 do Reino Unido depois da indicação ao Mercury Music Prize recebida pela banda neste mesmo ano.
Depois da ingênua Heart Skipped a Beat, entramos na atmosfera embriagante de Fantasy, com seus ecos cavernosos, seguida de Shelter, cover da inglesa Birdy.
O único deslize dos XX na divulgação do seu álbum de estréia foi a escolha de Basic Space, uma faixa tediosa focada na percussão, para ser lançada como segundo single.
Infinity é uma canção sensual, hermética e inconstante que foge da sonoridade repetitiva de algumas canções de XX. Uma faixa de pop furtivo perfeita para uma banda iniciante.
Apesar de nunca soar depressivo, XX certamente não foi produzido para ser ouvido em uma dia ensolarado. Os nomes da últimas duas faixas do álbum reforçam esta ideia (Nighttime e Stars).
XX soa quase como um álbum conceitual: sempre coesivo. A sonoridade da banda é fria, mas não deixa de ser aconchegante. Pouco depois do lançamento do álbum, a guitarrista e tecladista Baria Qureshi deixou o grupo, que afirmou que esta não viria a ser substituída, o que veio a gerar inúmeras especulações acerca do futuro do The XX. 
Mesmo antes da estréia da banda, a revista NME havia classificado-a como uma das bandas mais promissoras da Inglaterra. Resta esperar se este é um álbum único ou o primeiro de uma carreira brilhante.


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domingo, 14 de agosto de 2011

Neon Bible: A religião no novo século

Arcade Fire - Neon Bible (2007)





Qualquer álbum com o nome Neon Bible e com uma capa que traz um livro luminoso entreaberto teria, provavelmente, uma proposta de análise reflexiva sobre a religião, certo? Mas, o que é a religião?
Esta deve ter sido a pergunta sobre a qual os membros do Arcada Fire começaram a trabalhar depois de se tornarem um dos principais expositores da cena indie devido a reação midiática causada por Funeral (2004).
Neon Bible é sobre a religião além de crucifixos, celebrações sacras e livros sagrados: as crenças adotadas pela sociedade deste novo século se apoiam no materialismo, na imagem e na padronização dos costumes imposta pela mídia.
Em Black Mirror, faixa de abertura, o Arcade Fire mostra-se sombrio sonoramente. Para a sociedade moderna, não há nada mais aterrorizador do que envelhecer.
Keep the Car Running é sobre a sensação de estar sendo pressionado pela mentalidade de um mundo pós-moderno e querer fugir disto.
A faixa título é também a faixa mais curta de Neon Bible. Durante dois minutos e vinte segundos, o Arcade Fire nos mantém imersos em uma meditação sobre a aceitação da própria idade e o conceito de um novo Deus ornada por uma belíssima seção de cordas digna de Funeral. É essencial mencionar a performance da canção em um elevador, esta realizada na época de lançamento do álbum.
Os riffs de órgão em Intervention nos fazem sentir prostrados diante da grandeza de tudo aquilo que tem sido definido como divino pela religião criada pelo homem. Estaria esta religião cumprindo sua função de manter a paz e a harmonia no mundo?
Em Black Waves/Bad Vibrations, a banda mais uma vez assume uma postura política em relação as condições de vida no Haiti, como havia feito em Funeral. Esta análise da decadência social segue em Ocean of Noise de uma maneira mais impessoal. Violência e pobreza já fazem parte da história de muitas nações além do país da América Central.
Se The Well and the Lighthouse é uma declaração sobre sentir-se escravizado pela "bíblia de neon", escrita por sangue derramado em guerras e pela subversiva religião moderna, (Antichrist Television Blues) e Windowsill são como uma renúncia a tudo isto. 
Em No Cars Go, o Arcade Fire aparece com uma sonoridade mais comercial. A canção já havia aparecido no maravilhoso EP de estréia da banda em 2003. No Cars Go fala sobre o quão aliviante é encontrar a si mesmo e estar a salvo da pressão exercida pelo imediatismo desta "nova" era.
My Body is a Cage funciona como uma súplica: "Estou vivendo em uma era que chama a escuridão de luz (...) Liberte minha alma". 
Neon Bible ganhou inúmeros reviews favoráveis, aparecendo em, praticamente, todas as listas de "álbuns do ano" em 2007 e servindo como prova de que os membros do Arcade Fire não se encontram entre aquele tipo de artista que se julga maior do que sua obra. 
Fugindo de ironias: divino.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ágætis byrjun: "Deus chorando lágrimas de ouro"

Sigur Rós - Ágætis byrjun (1999)




Assim como os deuses do rock progressivo do Pink Floyd, o Sigur Rós levou o conceito de música além de qualquer conveniência, fazendo do seu segundo álbum de estúdio um dos mais revolucionários de todos os tempos. No entanto, enquanto a banda de rock progressivo foi muitas vezes rotulada como ambiciosa, os islandeses ganharam o prestígio do público pela sensibilidade aguçada de Ágætis byrjun, um álbum recheado de texturas áspera criadas pela guitarra tocada com arco de violoncelo, uma das características mais atraentes da banda, e iluminado pela voz em falsete de Jón Birgisson. 
Anteriormente, a banda havia lançado Von(1997), álbum que evoca a sonoridade ambiental e sombria de grupos dos anos 80 como os Cocteau Twins. Depois das críticas mornas ao álbum de estréia da banda, o Sigur Rós ganhou merecida aclamação e conquistou o sucesso comercial fora da Islândia com o trabalho que se tornaria a pedra fundamental do estilo conhecido como post-rock. 
A produção de Ágætis byrjun aconteceu de forma tão complicada quanta à de Von, que se estendeu por mais de três anos. A capa foi feita de modo artesanal e a distribuição foi, no princípio, realizada manualmente, o que resultou na demora para o lançamento fora do território islandês.
É curioso o fato de que, no álbum, exista uma correlação entre as faixas que pode passar despercebida: a introdução, quando tocada ao contrário, torna-se um fragmento da faixa título; Avalon, última faixa, contém partes instrumentais de Starálfur em velocidade reduzida cerca de quatro vezes.
As influências musicais encontradas em Ágætis byrjun vão desde o jazz e do blues à música popular da Islândia.
Após a hermética introdução do álbum fundir-se à sons de vulcões e gêiseres, entramos na hipnótica Svefn-g-englar, que se tornou o primeiro single da banda. A faixa tem uma ambientação subaquática, tanto sonoramente quanto liricamente, fazendo referências à vida intra-uterina. O belíssimo videoclipe, que traz como protagonistas pessoas com necessidades especiais, confere a proposta minimalista do Sigur Rós.
Starálfur é uma das canções mais iluminadas de Ágætis byrjun, com sua grandiosa melodia consistindo em um mesmo trecho sendo executado primeiramente na forma usual e depois de forma reversa. Neste ponto você já estará espantado com a magnificência da banda.
Em Flugufrelsarinn, encontramos pela primeira vez uma sonoridade que não nos é estranha. Fusão de jazz com guitarras reverberantes??? Eles são mesmo geniais!
Ny Batteri abre com uma linda construção sobre instrumentos de sopro. Aqui, pela primeira vez, a bateria em ritmo lento evolui para uma seção de percussão mais pesada. 
Hjartað Hamast é uma viagem sonora transcendental  que nos absorve com sua melodia inconstante influenciada pelo jazz e pelo blues. A mudança de um vocal sussurrado ao quase gritado por Jón merece destaque.
O videoclipe cinematográfico de Vidrar Vel Til Loftarasa fez com que esta se tornasse uma das canções de maior prestígio do álbum. A letra belíssima aliada à um clipe com uma abordagem tão política-social quanto o de Svefn-g-englar faz deste um dos momentos mais sublimes do álbum. A canção cresce de uma sonoridade minimalista à um momento de puro êxtase.
Depois da erupção sonora em Vidrar Vel Til Loftarasa, entramos em uma canção mais tímida: Olsen Olsen, cantada em Volenska, uma língua inventada pelos membros do Sigur Rós que já havia sido utilizada em canções de Von.
A aura de simplicidade segue na faixa título. Ágætis byrjun ("Um Bom Começo, em islandês) foi nomeada depois de um amigo da banda ter ouvido a música e exclamado "isto é um bom começo!".
Classificar algo como indispensável pressupõe que isto seja, de alguma forma, enriquecedor.
Ágætis byrjun vai além disso. É, antes de qualquer adjetivo, um álbum visionário. O limiar entre consciência e subconsciência. É essencial.



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

The Bends: O Radiohead pós-Creep

Radiohead - The Bends (1995)


Em 93 o Radiohead havia lançado Pablo Honey, um álbum sem muitos atrativos, diga-se de passagem, além de Creep. Inicialmente ignorada pelo público, a canção, que já foi regravada por dezenas de artistas renomados, levaria a banda ao mainstream quando relançada alguns meses depois. Depois da "experiência miserável" de uma turnê para divulgação do álbum, registrada em DVD com o nome Radiohead Live at the Astoria, o grupo sentiu a necessidade de iniciar um novo trabalho e livrar-se da pressão gerada pelo sucesso do single.
Em The Bends a sonoridade densa criada por três guitarras, hoje uma característica emblemática desta fase da banda, se tornaria a base sobre a qual letras com uma temática mais política e global, diferentes das abordagens mais pessoais de Pablo Honey, seriam construídas.
The Bends também foi o ponto onde a banda mudou esteticamente. A psicodelia da capa do álbum de estréia deu lugar a uma imagem quase abstrata. A ideia da fusão de um boneco usado em lições de medicina com o rosto de Thom Yorke surgiu em último instante e a produção ficou a cargo do artista gráfico Stanley Donwood, que desde então veio a produzir todas as capas da banda ao lado do vocalista.
Meses antes do lançamento do álbum, a banda lançou o EP My Iron Lung, que trazia a faixa de mesmo nome. My Iron Lung, uma faixa irônica que usa a expressão "pulmão de ferro" como metáfora para a canção que trouxe o Radiohead à mídia, resultou na comparação com bandas grunge como o Nirvana devido ao peso. A música apareceria mais tarde em The Bends.
A atmosfera criada por teclado na faixa de abertura do álbum é uma prévia do trabalho posterior da banda. Planet Telex foi a única canção escrita durante a gravação de The Bends e miticamente foi gravada com Thom Yorke cantando deitado no chão e bêbado depois dos membros da banda terem retornado de um bar.  Foi lançada como single duplo junto à High & Dry, que havia sido gravada antes do lançamento de Pablo Honey
A faixa título de The Bends é uma clara referência à depressão enfrentada pelo vocalista nesta época. Mas a canção responsável pela atribuição do termo "depressiva" ao Radiohead foi, indubitavelmente, Fake Plastic Trees, uma música sobre a terrível sensação de fazer parte de uma sociedade repleta de artificialidade.
Se Bones é um cortejo ao movimento grunge, Just caberia perfeitamente no álbum de estréia da banda de britpop Oasis, que havia sido lançado um ano antes. Clipes inteligentes como o de Just passariam a ser uma das características mais notáveis da banda a partir deste ponto. 
(Nice Dream) é uma canção na qual Thom exprime sua visão negativa sobre o relacionamento com as pessoas ao seu redor. Uma prévia do que seria No Surprises, lançada dois anos mais tarde no álbum Ok Computer.
Após a hermética Bullet Proof...I Wish I Was, mais uma faixa que denota a corrente depressão de Thom, chegamos à Black Star, uma canção com uma abordagem tão pessoal quanto as de Pablo Honey. 
Uma das faixas mais admiráveis do Radiohead é Street Spirit (Fade Out), que encerra The Bends logo após a descartável Sulk. Street Spirit, lançada como single, viria a atingir a posição mais alta nas paradas musicais até então em relação às canções anteriores da banda. O videoclipe sombrio e cheio de experimentações com técnicas de gravação de vídeo contribui muito na crescente popularidade da banda.
Apenas depois do lançamento de Ok Computer (1997) o Radiohead passaria a ser visto como uma das maiores bandas de todos os tempos, o que não impediu que The Bends viesse a aparecer, em 2006, na lista dos 50 Álbuns Que Mudaram a Música. Thom Yorke popularizou o uso da voz em falsete, servindo como referencia à muitas bandas nos anos 2000, como por exemplo o Coldplay.  A revista Melody Marker publicou um artigo no qual Thom   era definido como um novo mártir do rock com tendências suicidas, assim com Kurt Cobain ou Ian Curtis. Um equívoco, felizmente.